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Segurança

Cyberwashing: quando cibersegurança vira vaidade comercial

Saiba como empresas usam discursos de segurança cibernética para marketing, os riscos para a proteção de dados e como diferenciar promessas de práticas reais.

Cyberwashing: quando cibersegurança vira vaidade comercial
Ramon de Souza

Ramon de Souza

(ISC)² Certified in Cybersecurity | Journalist | Author | Speaker

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A palavra washing ganhou um sufixo de moda: depois do greenwashing, que descreve empresas que exibem um verniz ambiental para vender mais, surgiu o cyberwashing — a prática de transformar a cibersegurança em apelo publicitário.

Em vez de reduzir emissões, patrocinar árvores ou adotar práticas sustentáveis, algumas organizações passaram a desfilar selos, declarações e campanhas ruidosas prometendo invulnerabilidade digital.

A retórica é sedutora: “segurança de nível militar”, “defesa avançada”, “privacidade garantida”. A realidade, muitas vezes, é outra: arquitetura frágil, processos improvisados e investimentos mínimos, tudo envolvido num verniz de marketing que atende ao apetite do mercado por confiança aparente.

O que é cyberwashing e por que o termo emergiu

Cyberwashing é o artifício de apresentar uma fachada de segurança cibernética robusta sem que haja correspondência entre o discurso e a prática. Assim como o greenwashing foi criado para rotular esforços de marketing que fingem responsabilidade ambiental, o cyberwashing denuncia promessas vazias de proteção de dados feitas para conquistar clientes, investidores e regulação favorável.

O termo emergiu na confluência de várias tendências: aumento da consciência pública sobre privacidade, maior regulação de proteção de dados, e a transformação da segurança em argumento competitivo nas propostas comerciais.

A economia da percepção explica boa parte do fenômeno. Em mercados onde a privacidade e a proteção de dados passaram a ser métricas de credibilidade, ostentar um perfil de segurança passou a ser diferencial de vendas. Assim, empresas com infraestrutura frágil podem achar mais eficiente — e mais barato — criar uma narrativa de segurança do que investir em arquitetura resiliente, governança e cultura.

O resultado é um mercado poluído por rótulos, selos e campanhas que servem mais ao marketing do que à mitigação real de risco.

Por que as empresas recorrem ao cyberwashing?

A principal razão é comercial: ser percebido como “seguro” facilita negócios. Clientes corporativos exigem contratos com cláusulas de compliance; consumidores preferem serviços que prometem proteger a privacidade; investidores valorizam empresas que aparentam mitigar riscos regulatórios.

Em segundo lugar, existe um viés de eficiência contábil: enquanto melhorar processos e infraestrutura demanda recursos humanos especializados, tempo e custos operacionais contínuos, uma campanha de marketing custa menos e gera retorno rápido.

Por fim, há pressão competitiva: quando concorrentes exibem selos de certificação ou relatórios calorosos, a tentação de replicar o discurso sem o mesmo investimento real é grande.

Uma motivação menos óbvia, mas igualmente perigosa, é a busca por visibilidade. Declarações grandiloquentes sobre segurança atraem cobertura, parcerias e até talentos — e quando o discurso se torna o produto, a empresa começa a competir no mercado de reputação ao invés do mercado de segurança real.

As consequências danosas do cyberwashing

O primeiro dano é óbvio: segurança insuficiente. Quando a intenção é vender tranquilidade, não mitigar risco, controles críticos são negligenciados. Isso leva a incidentes que, em vez de serem tratados como exceção, se tornam inevitáveis.

O segundo dano é reputacional. A descoberta de que uma empresa que dizia proteger dados não o fazia envolve perda de confiança, penalidades regulatórias e impactos financeiros muito maiores do que o investimento que faltou inicialmente.

O terceiro dano atinge o ecossistema: cyberwashing reduz o sinal de confiança no mercado, tornando mais difícil para empresas genuinamente diligentes se diferenciarem.

Há um efeito perverso adicional: anúncios de segurança desproporcionais podem funcionar como chamariz para criminosos. A autoproclamação de “segurança máxima” é um desafio implícito que estimula testes de intrusão por atacantes interessados em provar o contrário — seja por notoriedade, por venda de exploits ou simplesmente para expor vulnerabilidades.

Assim, a ostentação de proteção pode acabar atraindo atenção indesejada e, em alguns casos, ataques mais sofisticados.

Automação e as "soluções milagrosas" no cyberwashing

O mercado de tecnologia respondeu à demanda por segurança com uma enxurrada de promessas: plataformas que “automatizam tudo”, soluções que prometem detecção automática, remediação sem intervenção humana e compliance “por assinatura”. Embora automação e inteligência possam, de fato, aumentar a eficácia da segurança cibernética quando bem implementadas, há um espaço perigoso entre promessa e entrega.

Algumas empresas vendem pacotes com dashboards elegantes e indicadores que parecem completos, enquanto na prática a integração com ambientes legados é superficial, alertas críticos não são correlacionados e a equipe de resposta não existe.

A promessa de “cibersegurança simplificada” torna-se sedutora para orçamentos restritos: pagar por uma caixa que “resolve tudo” é preferível à contratação de especialistas e processos contínuos. Esse tipo de oferta contribui para o cyberwashing quando os fornecedores sabem que a solução tem limitações, mas a comercializam com linguagem de invulnerabilidade.

Há também um problema de preço: soluções vendidas muito abaixo do custo de mercado podem indicar subcontratação, falta de suporte ou práticas que não priorizam a qualidade. A corrida por volume em mercados sensíveis incentiva fornecedores a reduzir escopo e suporte, o que, por sua vez, coloca no cliente a ilusão de segurança com risco real por trás.

A diferença entre marketing legítimo e cyberwashing

Nem toda comunicação de segurança é cyberwashing. Empresas sérias comunicam transparência: descrevem controles, reconhecem limitações e apresentam roadmaps de melhoria contínua. Comunicações honestas usam métricas contextualizadas e evitam termos absolutos como “100% seguro”.

O cyberwashing, por contraste, recorre a jargões vazios, selos sem comprovação pública e promessas sem métricas verificáveis. Um relatório que descreve testes independentes e frequentes, políticas de proteção de dados bem documentadas e auditorias externas não é vaidade: é governança. A linha que separa os dois é a prova verificável.

Como o regulador e o mercado podem responder

Regulação e padrões podem reduzir cyberwashing ao exigir transparência e comprovação. Certificações que impliquem auditorias independentes e repetidas, exigência de disclosure em caso de incidentes e padronização de métricas de segurança ajudam a criar um ecossistema onde o discurso deve ser respaldado por fatos.

Compradores institucionais precisam adaptar due diligence para exigir evidências técnicas (pentests, exercícios de tabletop, políticas e registros de resposta a incidentes) e não confiar apenas em whitepapers ou selos sem reputação.

Mercados financeiros e clientes também têm papel: premiar empresas com práticas comprovadas de proteção de dados e segurança cibernética, e penalizar hype vazio por meio de cláusulas contratuais, seguros cibernéticos exigentes e auditorias independentes. A combinação de incentivo e controle diminui a margem para o discurso oportunista.

O lado ético: quando a vaidade vira risco público

O cyberwashing não é apenas um truque de vendas; é uma questão ética. A publicização de capacidades de segurança falsas cria risco para clientes, parceiros e para o público. Serviços que armazenam informações sensíveis de pessoas — dados bancários, médicos ou pessoais — carregam responsabilidade social.

Fingir proteção é transferir risco para terceiros: quando a fachada cai, os mais vulneráveis pagam a conta. Há um imperativo moral para que empresas que lidam com dados sensíveis priorizem investimentos reais ao invés de marketing enganoso.

Casos hipotéticos ilustram o problema: uma fintech que anuncia proteção “bank-grade” mas que mantém backups sem criptografia, ou uma plataforma de saúde que exibe selo de conformidade enquanto terceiriza logs para provedores sem SLAs claros. Nesses cenários, a ostentação de segurança não apenas falha em proteger, como cria falsos sentimentos de segurança entre usuários e parceiros.

Como identificar cyberwashing em propostas e fornecedores

Sinais de cyberwashing incluem promessas absolutas, falta de evidências técnicas públicas, ausência de auditorias independentes e linguagem que evita métricas específicas. Verificar presença de pentests independentes, certificados reconhecidos, políticas de proteção de dados publicadas, relatórios de incidentes e disponibilidade de contacto técnico para verificação são passos essenciais.

Preço muito abaixo do mercado, ausência de contrato detalhado e falta de documentação sobre processos de backup e recuperação são sinais de alerta. Também é útil analisar a cultura interna: rotinas de treinamento em cibersegurança, rotação de senhas, políticas de atribuição de privilégios, e existência de um plano de resposta a incidentes demonstram que a organização pensa em segurança como prática e não como rótulo.

O paradoxo do investimento mínimo

Empresas que economizam em segurança para reduzir custos imediatos frequentemente enfrentam um retorno negativo. Incidentes custam caro: além de multas e perdas diretas, há danos regulatórios, licenças suspensas, perda de clientes e aumento do custo de capital. Investimento em segurança é, muitas vezes, um seguro anti-catástrofe cujo valor só se percebe quando algo dá errado.

O cyberwashing produz uma falsa economia que aumenta o risco de uma falha que poderia ter sido evitada com investimentos adequados.

Caminhos práticos para empresas evitarem a armadilha

Primeiro, adotar uma postura de transparência e humildade: reconhecer riscos, publicar roadmaps de melhoria e demonstrar evidências técnicas regulares. Segundo, investir em governança: políticas, papéis bem definidos, treinamentos e planos testados de resposta a incidentes.

Terceiro, selecionar fornecedores com base em provas concretas: relatórios de pentest, certificações reconhecidas e controles de proteção de dados bem documentados. Quarto, evitar atalho de marketing: comunicar limites e evitar linguagem de absoluta proteção. Por fim, alinhar investimentos de segurança com objetivos de negócio reais, tratando proteção de dados como elemento estratégico e não apenas como claim de marketing.

O cyberwashing consome confiança como se fosse combustível para vendas. Trata-se de um vício de reputação que oferece ganhos rápidos e riscos longos. A segurança cibernética não é um adereço publicitário, é infraestrutura crítica e prática contínua; tratá-la como etiqueta bonita é transformar clientes e sociedade em vítimas potenciais.

Em um mercado saturado de promessas milagrosas e soluções automatizadas que, muitas vezes, não passam de fachada, a diferenciação real virá das organizações que investirem em práticas comprovadas, governança e transparência. O desafio é duplo: cabe ao comprador desenvolver ceticismo informado e exigir provas; cabe ao fornecedor resistir à tentação do verniz e priorizar a entrega tangível de valor. Enquanto o cyberwashing for lucrativo e pouco fiscalizado, continuará a florescer.

Mas, para quem realmente se importa em proteger dados e proteger informações, a única estratégia sensata é tratar a segurança como o que de fato é: trabalho duro, investimento contínuo e responsabilidade pública.

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